OBRAS NO PORTO EM 1907 - PONTE DE AREIA - PEDREIRA
A história da cidade
do Rio de Janeiro se confunde com a história de seu Porto. Durante algum tempo,
os dois conviveram intimamente. O movimento da cidade era o movimento do Porto.
"O
Porto emerge da história do Rio de Janeiro como capítulo fundador. A cidade
surge como monumento ao colonialismo, com seus fortes, suas igrejas e seu
Porto. O forte protegia o Porto militarmente e a igreja o guardava
espiritualmente. O Porto faz assim parte da história do medo: medo dos inimigos
da terra ou corsários, medo do mar e de seus ventos e correntezas. A cidade e
suas instituições afirmavam o domínio colonial sobre as terras da região da
Baía de Guanabara no contexto da disputa colonial travada entre franceses e
portugueses no século XVI. Assim, não seria exagero dizer que a cidade do Rio
de Janeiro surge como Porto, uma vez que sua história está marcada pela dominação
colonial" (professor Paulo Knaus, UFF).
VISTA DA IGREJA DE SÃO CRISTÓVÃO, TOMADA DA PRAIA FORMOSA. NA ÁREA SOBRE O MAR, ATUALMENTE, ESTÃO CONSTRUÍDOS O ACESSO À PONTE RIO-NITERÓI E AS AVENIDAS RIO DE JANEIRO E BRASIL.
A localização privilegiada da
Baía Guanabara chamou a atenção dos primeiros portugueses que ali chegaram com
a expedição de Gaspar de Lemos, em 1502. Documentos daquela época mostram que a
palavra “porto” já era a mencionada em relação àquele lugar.
A
“cidade-porto” nasceria na verdade da disputa entre Portugal e França e a
partir de então o Rio de Janeiro passaria a ocupar uma posição estratégica para
os portugueses que pretendiam assegurar o seu domínio sobre a região.
Foi em 1565 que Estácio de Sá,
trazendo reforços para a luta contra os franceses, desembarcou junto à barra, entrincheirou se com seus homens numa faixa de terra entre os Morros cara de Cão
e Pão de Açúcar, fundando em 1º de Março a Cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro. Dois anos depois, preocupado com a defesa da cidade, Men de Sá
transferiu-a, por motivos estratégicos, para o alto do Morro do Castelo. E foi
ali, na faixa litorânea junto ao Morro do Castelo, ao longo do que seria mais
tarde a Rua da Misericórdia, que as atividades portuárias do Rio começaram a
dar seus primeiros passos, como conta Cláudio Figueiredo em seu livro “O Porto
e a Cidade”.
Pouco a pouco a cidade começa a
descer o Morro e espalhar-se pela planície adjacente. Drenando charcos e
pântanos, o Rio de janeiro expandiu-se para a área demarcada por seus quatro
vértices: Morros do Castelo, São Bento, Santo Antônio e Conceição. Da área nas proximidades do Morro
de São Bento, conhecida como praia dos Mineiros (em frente à Ilha das Cobras),
as atividades ligadas ao embarque e desembarque de mercadorias cresceram
gradativamente com a construção de trapiches e depósitos na direção da Prainha
(atual Praça Mauá), do Valongo, da Praia da Saúde, do Saco da Gamboa, do saco
do Alferes e a Praia Formosa.
Entre 1713 e 1760, segundo “O
Porto e a Cidade”, a população do Rio passou de 12 mil para 30 mil pessoas,
crescimento alimentado também pelo comércio do ouro, que também estimulou a
vocação portuária de algumas áreas da cidade. O bairro da Misericórdia, junto
ao Morro do Castelo, concentrou parte significativa do comércio, com trapiches
e armazéns. Na Praia D. Manoel ficava o cais de desembarque, também destinado
ao carregamento dos gêneros exportados.
O ritmo da vida do entorno do
Porto era ditado pelo horário do embarque e desembarque de mercadorias: entre
nove da manhã e duas da tarde. O trabalho de carregamento das mercadorias
liberadas pela alfândega era feito basicamente por mãos humanas – escravos. Não
havia qualquer tipo de veículo. As sacas de café, pesando em média 70 quilos –
que por volta de 1870 era o produto responsável por mais da metade das
exportações brasileiras – eram carregadas na cabeça.
A região costeira era a de maior
concentração da cidade. Nos horários em que não havia a movimentação de cargas,
sentava-se à beira-mar para conversar e tomar ar fresco. Foi ali que surgiram e
prosperaram os principais mercados da cidade, que não eram absolutamente
limpos. Aquela região, conhecida como Terreiro do Ó, depois Largo do Carmo,
Praça de D. Pedro II e atualmente a Praça XV, era a porta da cidade e oferecia
aos visitantes sua primeira impressão. O cronista Luis Edmundo observava que
“não raro, essa gente que chega, mal põe o pé na terra, vai logo pondo, também,
o lenço no nariz”.
O aumento das exportações
brasileiras – especialmente café – fazia urgente a melhoria do Porto da cidade.
E foi então que vários projetos
começaram a ser propostos e discutidos, o que alteraria grande parte da orla. O
engenheiro André Rebouças foi quem trouxe os primeiros projetos de modernização
do Porto, não só para o Rio como também para Recife, Salvador, São Luiz e Rio
Grande.
Mas suas ideias foram combatidas
e poucas delas conseguiram se realizar.
Figueiredo conta em seu livro
que o nome de Rebouças ficou ligado à construção da Doca da Alfândega, parte de
um projeto de construção de um porto que iria desde o Arsenal da Marinha até o
Arsenal de Guerra, no atual Aeroporto Santos Dumont. As obras foram feitas até
o trecho junto à Estação das Barcas para Niterói, deixando prontas a Doca do
Mercado e a Doca da Marinha, onde hoje está instalado o Centro Cultural da
Marinha.
Rebouças teve outros planos
ambiciosos para o Porto do Rio, como o de construir uma estação marítima ligada
à Estrada de Ferro D. Pedro II, que atendia a boa parte do Vale do Paraíba
escoando a produção de café. Mais uma vez, não conseguiu viabilizar o
empreendimento. Operários foram presos às vésperas do início dos trabalhos e o
seu sócio inglês abandonou o projeto depois de muitas pressões. Mais tarde, com
o apoio de D. Pedro II, conseguiu fazer apenas 160 metros de cais, entre o Beco
da Pedra do Sal e a Praça Municipal.
A REGIÃO AO LONGO DO ANTIGO CANAL DO MANGUE ERA INUNDADA CONSTANTEMENTE EM FUNÇÃO DAS CHUVAS QUE TRANSBORDAVAM OS RIOS QUE ALI DESAGUAVAM.
Seu projeto inicial de estender
um ramal ferroviário até o Porto seria retomado mais tarde, mas não chegou ao
fim previsto, porque, depois da Proclamação da República, o Ministro da Fazenda
Rui Barbosa anulou a concessão.
Com a extinção do tráfico de
escravos, a maioria deles continuou ligada às atividades do Porto e fixou
residência nos bairros próximos, normalmente em casas de cômodos insalubres e
muito pobres, o que contribuiu para a degradação do local. Na área do Porto
coabitavam brancos, negros, brasileiros, estrangeiros, operários, trabalhadores
fabris, comerciantes.
Em 1902, quando Rodrigues Alves
assumiu a Presidência da República, o Rio já tinha perdido para Santos o posto
de maior porto exportador do Brasil, mas era a principal porta para as
importações. Disposto a transformar o Rio em um grande centro de atração, o
Presidente promoveu uma série de reformas na cidade, como a avenida que
acompanhava o canal do Mangue, a Avenida Central (hoje Rio Branco) e do Porto,
todas feitas com financiamento inglês. Àquela altura, as elites já haviam
chegado a um consenso no seu diagnóstico acerca da cidade. A solução para os
sérios problemas urbanos do Rio estaria assegurada pelo tripé
saneamento-abertura de ruas-embelezamento. Era preciso sanear a cidade e, para
que isso acontecesse, as ruas deveriam ser necessariamente mais largas, criando
condições para arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios. Ruas mais largas
estimulariam igualmente a adoção de um modelo construtivo mais digno de uma
cidade-capital. Com Pereira Passos na Prefeitura e a Câmara Municipal fechada –
a pedido do Prefeito, para que ele pudesse fazer as reformas necessárias sem
interferências – o Rio mudou sua fisionomia, mudança conhecida como a Reforma
Passos.
TERMINAL MARÍTIMO DA GAMBOA. AO FUNDO A CONTINUAÇÃO DA PRAIA DO CAJU E A ILHA DO FUNDÃO. EM PRIMEIRO PLANO O TERMINAL MARÍTIMO E, À DIREITA, A ILHA DE SANTA BÁRBARA, BASE DE OPERAÇÕES DA OBRA DO PORTO.
Mas essas mudanças trouxeram um
custo social elevadíssimo, que incide basicamente sobre a população pobre que
habitava a área central da cidade. Centenas de casas, cortiços, estalagens,
avenidas e casas de cômodos, muitas das quais antigos casarões coloniais
transformados em fonte de renda para seus proprietários através do aluguel, e
quase todas promiscuamente superpovoadas, foram demolidas – Pereira Passos
acaba ficando conhecido como o “bota-abaixo” – e milhares de pessoas se viram
subitamente desabrigadas. Essa reforma aumentou a crise habitacional, a partir
da qual se expandiram as favelas na área central da cidade, em especial na
Saúde, na Gamboa, no Santo Cristo, na Harmonia, todas elas regiões próximas ao
Porto.
Em 1903 foi formada uma comissão
de obras do Porto, que propôs a ocupação da área entre o Arsenal da Marinha,
aos pés do Morro de São Bento e a embocadura do Mangue, num total de 3500
metros. Os outros 2000 metros, entre o Mangue e a Ponta do Caju ficariam para
depois. A construção do cais do Porto teve início em 1904, com cerca de 1000
operários. O começo das obras dentro do mar – três dragas retiraram quase 3 mil
metros cúbicos de areia do fundo – foi uma grande festa, com a presença do
Presidente da República.
GAMBOA E ARREDORES, EM 1880. EM PRIMEIRO PLANO, PARTE DO TERMINAL MARÍTIMO E AS INSTALAÇÕES DA ESTRADA DE FERRO D.PEDRO II. À ESQUERDA, AO FUNDO, AS PRAIAS DE SÃO CRISTÓVÃO E DO CAJU. MARC FERREZ - COLEÇÃO INSTITUTO MOREIRA SALLES.
Dois anos mais tarde seria
inaugurado, também com grande pompa, o primeiro trecho do cais do Porto, com
500 metros de extensão. Em 1907, 1455 metros de cais já estavam prontos. No
litoral da Saúde e da Prainha, onde o movimento portuário era mais intenso, as
pontes de desembarque dos trapiches continuavam a ser utilizadas e só poderiam
ser retiradas quando uma extensão considerável do cais já estivesse à
disposição dos usuários. Nos últimos meses de 1908, o cais dispunha de 1900
metros e cinco armazéns estavam prontos.
Em 20 de junho de 1910 a obra
foi oficialmente inaugurada, com 2700 metros de extensão – faltavam ainda 800
metros do projeto original – e cinco armazéns. Os 800 metros que faltavam
correspondiam ao trecho entre as Docas Nacionais e o Arsenal da Marinha. O mais
grave, porém, é que dos 2700 metros concluídos, apenas 800 metros tinham
condições efetivas de funcionamento, carecendo o restante de guindastes,
armazéns, iluminação, linhas férreas, enfim, de toda a infraestrutura de apoio.
Levou ainda um ano para que o Porto
pudesse funcionar plenamente, com 18 armazéns internos, 96 externos e 90
guindastes elétricos.
Finalmente, o Rio ganhava o
Porto que merecia e começou ali a transformação da cidade em importante centro
turístico.
EMBOCADURA DO CANAL DO MANGUE JUNTO À BAÍA DE GUANABARA:O OBJETIVO ERA SANEAR A CIDADE E MODERNIZAR O PORTO.
Em novembro do ano seguinte, os
serviços de exploração do Porto foram transferidos mediante concorrência a um
grupo de capitalistas franceses que organizou a Compagnie du Port de Rio de
Janeiro.
Apesar da euforia com o novo
Porto, as autoridades já tinham consciência de que ele precisava crescer ainda
mais. E novos planos de expansão começaram a ser feitos, com a ampliação do
cais do Mangue em direção ao Caju. Mas essa expansão só seria concluída na
década de 30.
Em 1923, a administração do
Porto do Rio passou às mãos de brasileiros, que constituíram a Companhia
Brasileira de Exploração de Portos. No ano seguinte, foram contratadas as
firmas Societé de Construction du Port de Bahia e a Companhia Nacional de
Construção Civil para construir o prolongamento do cais, previsto no projeto de
1903. A obra foi concluída em 1932, mediante o aterro de uma extensão de 2 mil
metros, ocupando cerca de 180 metros quadrados da Baía de Guanabara.
Em 1933, o contrato de
arrendamento com a Cia.Brasileira de Exploração de Portos foi rescindido e a
administração do Porto passou para a alçada do recém-criado Ministério da
Viação e Obras Públicas. Completando a estrutura portuária do Rio, entre 1949 e
1952, seria construído o Píer da Praça Mauá, sobre um aterro de 33.200 metros
quadrados.
Nos anos 80, a modernização das
operações de carga e descarga tornou as instalações portuárias existentes
ultrapassadas. A adaptação do Porto do Rio às novas demandas revelou-se
problemática, uma vez que a sua área para eventual expansão era limitada e as
obras de modernização tinham custo elevado. Outra desvantagem, que no passado
apresentava-se como vantagem, era a proximidade do Porto do centro comercial da
cidade: o deslocamento das pesadas cargas inerentes à atividade portuária
tornou-se incompatível com o intenso movimento da área central de negócios.
Refletindo essa situação de decadência, a paisagem da parte aterrada exibe
prédios abandonados, terrenos vazios e espaços sem nenhuma utilização.
FONTE: REVISTA COMEMORATIVA DOS 100 ANOS DO PORTO DO RIO DE JANEIRO - DEZEMBRO 2010 - DOCAS DO RIO - AUTORIDADE PORTUÁRIA.
Voilà! Amanhã voltaremos a falar sobre esse tema. Espero vocês!
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