Tempos atrás, no auge de minhas pesquisas junto à BIBLIOTECA NACIONAL, tive contacto com o original dessa magnífica publicação, quando buscava maiores dados sobre a chegada da ferrovia à BICAS tentando entender o que eram as vias de acesso àquela região, naqueles tempos já remotos.
Sabemos que em 1885 e 1888, quando vieram nossos bisavós, já existia a alternativa para chegar a Bicas de trem mas, basicamente a viagem era a mesma, em tudo que a qualifica como "pitoresca".
Mais recentemente, nosso amigo JOÃO FRANCISCO CARVALHO enviou-me o arquivo em pdf desse livro, pelo qual muito agradeço. Como já o conhecia, guardei para utilização futura. Hoje, Março/Abril de 2020, vivendo o momento único de isolamento social devido à pandemia de coronavírus e sabendo da dificuldade de muitos com arquivos em pdf, resolvi transcreve-lo aqui.Espero que apreciem, preencham com saber seus momentos de ócio forçado e aprendam maravilhas. Porque isso nunca é demais!
Boa leitura!
PS: Texto atualizado segundo a linguagem corrente em nossos dias.
DO RIO DE JANEIRO À PETRÓPOLIS
PELO VAPOR E A ESTRADA DE FERRO DE MAUÁ
SERVIÇO TODOS OS DIAS
Partida da Prainha às 6 horas da manhã nos domingos e dias de festejo; às 2 horas da tarde nos dias úteis.
Estas horas de partida são algumas vezes alteradas, porém os jornais indicam essa mudança alguns dias antes.
Há tílburis para conduzir os passageiros à estação do embarque; tomados no interior da cidade, custam 500 réis; os carros de quatro lugares custam 2 mil réis.
Os bilhetes para Petrópolis são entregues para viagem inteira ou para as estações.
VIAGEM INTEIRA
1ª classe ............................ 8$000
2ª classe............................. 6$000
3ª classe..............................4$000
Estabeleceu-se a 3ª classe para os escravos, porém as pessoas que querem tirar o calçado, ali são admitidas, o que frequentemente acontece com a maior parte dos trabalhadores dos campos.
Para as estações paga-se:
Da Prainha a Mauá 1ª classe............. 1$500
descalços .......... 500
Da Prainha a Inhomirim 1ª classe ............ 2$500
2ª classe ............ 1$500
descalços........... 1$000
Da Prainha à Raiz da Serra 1ª classe .........4$000
2ª classe..........3$000
descalços........1$000
Carros da Serra 1ª classe ........ 4$000
2ª classe ........ 3$000
A viagem em vapor, os instantes passados sobre a estrada de ferro e a subida da serra, oferecem aos amadores as vistas mais agradáveis. Do ponto culminante dessa montanha elevada de 1000 metros, pouco mais ou menos, acima do nível do mar, um panorama imenso e de um especto realmente esplêndido encanta a vista. No extremo horizonte avista-se o Rio de Janeiro, com sua baía que o cinge, e que é tão vasta que poucas são conhecidas que a igualem.
Em breve ofereceremos aos nossos leitores um pequeno guia, do Rio de Janeiro à Petrópolis, para explicar essa viagem.
CHEGADA A PETRÓPOLIS
Encontra-se um confortável regular no hotel de Bragança e na casa particular do senhor Dujardin, antigo hotel de França.
No hotel de Bragança paga-se por pessoa e por dia 5$000; em casa do senhor Dujardin trata-se com ele mesmo.
Encontra-se em Petrópolis carros e cavalos de aluguel para passeios nos arredores.
À tarde, as pessoas que gostam de baile, acharão ali o seu desideratum; os alemães, esses laboriosos colonos, entregam-se com fúria a esse divertimento.
Nos domingos e dias de festejo principiam a danças às seis horas da tarde e finalizam às seis horas da manhã. Petrópolis não tendo a felicidade de possuir o gaz, vejam os leitores como esses filhos da grande raça germânica sabem suprir esta falta de luz.
N.B. Julgo eu dever observar aos meus leitores, que não é sempre prudente tomar os lugares do tejadilho para subir a serra, visto chover quase todos os dias, antes de chegar ao lugar de destino.
PREFÁCIO
Não é a primeira vez que experimento o desejo de tornar conhecida a bela estrada União -Indústria; infelizmente nem sempre os meios pecuniários estão relacionado a este desejo. Na maioria das vezes é impossível realizar minhas ideias.
No entretanto, um dia em que me achava fazendo retratos numa casa que me é cara, resolvi definitivamente por mãos à obra e escrevi essas Doze Horas em Diligência, que tenho a honra de recomendar aos meus leitores.
Num trabalho feito à galope, não se pode esperar estilo elegante e florido, mas sim uma ligeira descrição dos lugares notáveis, atravessados ppr uma estrada magnífica. Esta obra não tem o merecimento senão o de ser: o primeiro guia do viajante feito no país, guia ilustrado de desenhos copiados da fotografia.
Ouso esperar que seja de tanta utilidade ao jovem brasileiro, desejoso de instruir-se, como ao estrangeiro que se dará por satisfeito de levar uma lembrança desta terra admirável, que nunca se percorre sem sentir vivas emoções, causadas pela variedade e o grandioso de sua natureza.
Se a minha simples descrição for útil à história, se os desenhos tirados de minhas fotografias atraírem a atenção dos amadores, se os quadros que eles representam causarem algumas sensações aos verdadeiros artistas, julgar-me-ei largamente recompensado das minhas fadigas e das minhas excursões nesta magnífica terra de Santa Cruz, que habito a quase 20 anos e que deixará em minha memória a mais bela lembrança da minha humilde existência.
A PARTIDA
São seis horas da manhã. Os sons agudos das trombetas fazem-se ouvir. É o condutor (talvez João Alemão ou o menino Brandão: se for o último eu vos recomendo, ele merece muito ser apreciado) que nos chama à diligência.
As mulas impacientes batem no chão as patas frementes; já disparariam, se não fossem retidas pelas mãos vigorosas do criado de estribaria. Esse barulho discordante, reunido aos da trombeta, no dizem suficientemente que não temos um instante a perder.
Entrem, entrem; partimos!
Vamos com rapidez deixando atrás de nós a rua do Imperador; à direita ergue-se gracioso, porém não concluído, o palácio imperial; entremos na rua dos Protestantes. Uma curva e depois nos achamos no vale encantador de Westphalia, último arrabalde deste pequeno Versailles Brasileiro.
À esquerda, uma ponte atravessa o Piabanha, caprichoso riacho que nasce na vertente ocidental da cordilheira dos Órgãos, e que depois de haver banhado com seus tributários todos os valezinhos de Petrópolis, nos acompanhará em nossa excursão por mais de 60 quilometros; ora calma e límpido como um riacho de idílio, ora violento e fogoso como uma torrente indomada. Do outro lado dessa ponte existe o palacete do Barão de Mauá, cujo nome e serviços prestados são sinceramente louvados por todos os brasileiros.
O Barão de Mauá é um desses homens que honram sua época de elevam-se à si mesmos elevando o seu país.
Marchamos com toda rapidez; nossas mulas atravessam os espaços na razão de 16 quilômetros por cada hora. Ali a casa do embaixador da Rússia, o Sr. de Glinka; em frente, num rochedo à nossa direita, uma chapa de mármore recorda os primeiros trabalhos da estrada União-Indústria, obra grandiosa que vamos hoje percorrer, devida à inteligente e incansável perseverança do finado Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, que apesar de todos os obstáculos e superando todas as dificuldades, conseguiu finalmente dotar o seu país de uma via de comunicação admirável, que desenvolveu a riqueza de duas províncias e trouxe um progresso imenso que aumenta todos os dias.
Corremos sempre; chegando a ponte do Retiro, passamos para a margem esquerda do Piabanha; aqui e acolá transforma-se em torrente e suas cachoeiras sucessivas formam a final e esplêndida cascata de Bulhões-Cascatinha, que do carro não podemos ver, mas cujos surdos roncos ouvimos por baixo dos pés, como um trovão longínquo. Essa cascata se acha a 780 metros, pouco mais ou menos, acima do nível do mar, sendo um bonito passeio para os habitantes de Petrópolis; encontram-se ali picadas em ziguezague de onde se descobrem quadros encantadores.
O vale de Westphalia, que acabamos de percorrer, é frequentemente o teatro de cenas de desolação, quando o Piabanha enche com as chuvas diluvianas, que às vezes caem em Petrópolis, esse pequeno rio sai de seu leito por demais estreito, atira-se, arrastando sob sua passagem as árvores, as casas, o solo vegetal mesmo, deixando apenas o rochedo nu e assolado.
A noite medonha de 8 de Janeiro de 1866, fora outras, deixará por muito tempo a sua terrível lembrança.
Amigos, que nos acompanham nessa viagem, embuçai os capotes, escondei os rostos nos cachez-nez, se tivestes o cuidado de trazê-los, porque o ar glacial que sopra neste lugar, torna-se ainda mais vivo pela rápida descida de Samambaia.
Estamos agora no ponto de interseção de 2 ou 3 vales, cercados de picos graníticos, elevados e muito pitorescos; mas por ora perfeitamente gelados, por causa de seus raios anaclásticos . E naturalmente tanto o frio quanto o calor emitem ao meio-dia.
Este belo conjunto de agulhas de granito, lançadas a um só jato a essa altura vertiginosa, pareceria talvez devida à uma dessas poderosas rupturas da casca sólida do nosso globo; dominando a paisagem torna-a infinitamente pitoresca; porém sobretudo o que ainda mais se faz notável , é o efeito que produzem aquelas árvores magníficas - Araucarias Brasiliensis- , certamente que se pode supô-las contemporâneas dessas mesmas agulhas, porque suas alturas e seus aspectos indicam suficientemente que elas ali se acham desde longos anos.
Paremos 5 minutos. É a PRIMEIRA MUDA.
CORRÊAS
Na fazenda que se vê à nossa direita, há uma lembrança histórica. Em 1830-1831 D.Pedro I indo visitar a província de Minas Gerais aí parou; existe ainda o quarto onde ele foi convidado a passar a noite.
Um pouco mais longe da fazenda, a pouco mais ou menos dois quilômetros, há uma pequena e linda cascata que de vez em quando é alvo do passeio da Família Imperial; os estrangeiros que vão à Petrópolis raramente deixam de lá ir.
Andamos de novo a estrada plana, continua descendo quase insensivelmente até o alto do Taquaril.
Alcançamos a ponte do Bom-Sucesso, gracioso trabalho de ferro, sistema vigas direitas e grades.
Essa ponte deve seu nome ao rio que atravessa e que tem o seu confluente nas águas do Piabanha,
por baixo mesmo do arco. Em 1866, na inundação de que já falei, as águas do Piabanha refluíram com uma impetuosidade tal, que a ponte correu graves riscos de destruição; os pilares ficaram suspensos no vão, sustentando´se só por sua força de inércia.
Novos trabalhos de consolidação foram feitos depois, e hoje nenhum acidente desta ordem é de temer-se.
Ainda outra ponte, chamada Olaria, sobre o Piabanha: sua forma é singular, seus arcos laterais parecem-se com as caixas das rodas de um vapor; os ingleses chamam Bow String, sistema muito moderna que se recomenda mais por sua solidez que por sua elegância.
O hábil engenheiro desta parte da estrada, o Sr.Bulhões, empregou quase todos os sistemas de pontes conhecidos, combinando-os com uma inteligência rara, o que, junto ao encanto da variedade, reúne a vantagem de fazer desses trabalhos de arte especiais, um importante ponto de estudo para um jovem engenheiro.
Uma outra ponte chamada de Santo Antônio, é de varões retos de ferro.
O vale que percorremos nada tem de muito notável por sua fertilidade; é ainda muito elevado, e o húmus vegetal arrastado por esses declives rochosos não chega a acumular-se em quantidade suficiente para formar um terreno próprio às culturas especiais; todavia, a fecundidade relativa desses terrenos permite ao incansável colono de colher anualmente duas colheitas de milho, feijão e batatas que amadurecem sucessivamente e indenizam os trabalhadores de suas fadigas e de seus cuidados. De quantas famílias infelizes da Europa , este canto de terra faria a felicidade?
O homem inteligente que fez com labor, deste terreno, estéril na aparência, um terrenos mais produtivo que uma plantação de café, é o português Antônio Tavares Bastos.Emprega unicamente braços livres, e mesmo pagando-os bem, ainda lhe fica um benefício razoável. É à sua iniciativa, ouvimos dizer, que se deve esta capelinha chamada de Itaipava, que vemos por cima daquela trincheira, à nossa direita.
À nossa esquerda vê-se a cascata chamada o Salto: em certo tempo do ano pesca-se ali o peixe com cestos; a descrição que me fizeram lembrou-me a famigerada pesca dos narizzes, que vi praticar em um pequeno rio da Suíça. À noite uma multidão de pessoas munidas de archote entregavam-se a este divertimento. Era verdadeiramente curioso. Eu vi as duas margens do rio literalmente cobertas de peixes e como aqueles não serviam para comer, perguntava-me à mim mesmo por que o homem comprazia-se sempre com tanta avidez na destruição? Aqui o caso não é o mesmo, porque parece que esses peixes são dos mais saborosos.
Algumas curvas, alguns pequenos recantos que fariam as delícias de um pintor, e os marcos quilométricos, fogem atrás de nós; contamos o número 30 e estamos na SEGUNDA MUDA.
PEDRO DO RIO
Desta imensa estação, que foi a primeira da Companhia, breve nada mais restará do que o desenho retirado da fotografia que acompanha este pequeno livro. Ao ruído e à animação sucederão a calma e o silêncio.
Durante os anos de 1858 e 1859, ela recebeu perto de 400.000 sacos de café; em 1867, recebeu apenas 5.187 sacos. É verdade que nos primeiros anos a estrada não ia além, e os lavradores deviam, à custa dos maiores sacrifícios, conduzir os seus produtos até a estação. Hoje os carros da Companhia recebem o café em toda a extensão da estrada e os transportam até o Rio de Janeiro, com uma economia que se pode avaliar em 12.403.000$000, em benefício da agricultura e do comércio, desde a criação dessa magnífica via de comunicação.
A exportação do café que em 1858 era apenas 126.276 sacos elevou-se em 1867 a 496.144 sacos, transportados pelos carros da Companhia e pode-se avaliar em quantia igual os transportados por carros particulares; os nove ou dez mil contos de réis empregados nessa obra nacional tem contribuído par ao aumento da riqueza pública e o finado senhor Lage, que foi dela criador, merecerá sempre os maiores elogios, quando se falar em serviços prestado ao país.
Durante essa digressão estatística mudaram-se os animais da nossa diligência e a nova parelha nos arrasta com a mesma rapidez que a precedente.
O Piabanha corre à nossa esquerda, ora límpido e calmo, ora quebrando-se em cascatas no seu leitos de rochedos; já vão surgindo à nossa frente os declives rochosos da garganta do Taquaril que o rio atravessa, precipitando-se por uma estreita fenda de granito; chegamos a um dos pontos mais pitorescos dessa serra; à direta vede aquela cascata c hamada Jacubá, parece uma grande toalha d'água de quase oito metros de largura; ela é tão regular que antes parece uma obra de arte do que da natureza.
O vale estreita-se cada vez mais, imensas paredes de granito elevam-se de cada lado da estrada; seus flancos quase perpendiculares conservam nas suas anfractuosidades alguma terra, onde cresce uma multidão de bromélias. Esta parte da estrada é quase toda lavrada na rocha, pendura o precipício no fundo do qual rolam iradas as ondas do Piabanha.
Neste lugar do Taquaril selvagem e majestoso existe o único abaixamento desta serra que tínhamos à nossa esquerda desde Petrópolis, e portanto o único desfiladeiro possível para passar do vale superior do Piabanha ao da Posse.
Os trabalhos consideráveis feitos nesta estreita passagem, testemunham o poder, a vontade e a perseverança humana; com efeito, representam-se os primeiros mineiros, suspensos a umas cordas sobre paredes verticais, batendo o duto granito; por baixo dos pés as detonações das minas repercutidas pelos ecos confundiam-se com os estrondos das massas de pedras arrancadas pela pólvora e que de queda em queda precipitam-se no fundo do abismo.
Na época da construção desta parte da estrada, Sua Majestade o senhor D.Pedro II, que mostra sempre os mais vivos interesses por todos os melhoramentos do país, quis verificar esses trabalhos audaciosos; construiu-se para esse fim, sobre umas barras de ferro fincadas no rochedo, um caminho suspenso, vacilante e frágil, sobre o qual o Imperador passou duas vezes à cavalo, com toda a calma, como se estivesse passeando na Quinta de São Cristóvão.
Mudamos a direção; o sombrio desfiladeiro transposto e após alguns ziguezagues, vemos abrir-se um gracioso vale, no meio do qual se avista um grupo de casas brancas: é a TERCEIRA MUDA.
POSSE
Esta estação é, e será por muito tempo, de grande importância para a Companhia; ao redor dela convergem todos os produtos da zona cafeeira do Rio Preto. O seu vale é pitoresco, os rochedos à nossa esquerda e as verdejantes plantações cafeeiras, fazem um contraste agradável à vista.
O Piabanha, que corre límpido e tranquilo no meio dessas campinas, parece descansar de sua corrida furiosa, depois do desfiladeiro do Taquaril; os altos montes que nos cercam, cortados de vales que se desenvolvem em várias direções, contribuem para dar à paisagem um aspectos dosm ais pitorescos.
Passamos defronte do hotel, a dois passos abre-se o vale que conduz à Aparecida; a Companhia fez a despesa de um princípio de caminho de distrito, porém o governos não tendo julgado conveniente dar o seu apoio para a conclusão das obras, o senhor Lage achou de seu dever suspendê-las.
Chegamos à ponte da Posse, atravessamos ainda uma vez o nosso companheiro de Petrópolis, o Piabanha, e na sua margem esquerda continuamos nossa corrida.
Este ajuntamento de casas, deste lugarejo,esta quase aldeia, chama-se o Areal.
Desculpem, leitores benévolos, se por um momento eu abandono a estrada para falar de coisas que me são caras!
A dez minutos, à nossa esquerda, no alto dessa eminência, acha-se uma pequena fazenda: seu nome é Saudade! Palavra que nas línguas estrangeiras é intraduzível.
Achei nesta fazenda uma hospitalidade tão franca que nunca esquecerei; seu proprietário, o senhor Benjamin Weinschenk, a quem pertence a maior parte das casas que vemos, quis sem dúvida perpetuar a lembrança de minha passagem na sua casa; porque, segundo me consta, conserva ele ainda a denominação de Châlet que dei a uma casinha que construiu então e que se acha perto desse saudoso retiro.
Mas, voltemos ao Areal, sem esquecer todavia que nesta fazenda eu vi a mais bela plantação de café dos arredores. Este lugar é um ponto comercial importante, por causa dos diferentes caminhos do Rio Preto, da Aparecida e do Carmo, lugares de muita produção, que confinam ali. Portanto não é raro encontrar, caminhando, um grande número de mulas, carregadas conforme os usos do país e andando em longas fileiras atrás da madrinha, cujos arreios são ornados de chapas de prata, de campainhas e algumas vezes de uma boneca vestida e orgulhosamente posta na parte superior da cabeçada, de modo que fica entre as orelhas. Estes ouropéis, na crença ingênua dos tropeiros, são destinados a simbolizar a protetora da tropa.
À direita é a junção do Rio Preto e do Piabanha, uma ponte d emadeira torcida e balançando, na época em que escrevemos essas linhas, e uma outra mais longe que não podemos ver, faziam com as da Companhia o mais lastimoso contraste.
Em redor de nós sobre as colinas aparecem longas linhas de arbustos; são as primeiras plantações de café importantes que temos encontrado, anunciando-nos a fazenda da Julioca, propriedade do major Koeller, filho do primeiro administrador e quase fundador da cidade de Petrópolis.
Alguns passos ainda e descemos na QUARTA MUDA.
Este pequeno edifício de pedras, assaz gracioso e original em suas formas, não prestou o serviço que dele se esperava; o movimento comercial nesta estação foi sem importância. Esta pequena casa avarandada que vemos, era em outros tempos a pousada de passagem do senhor Bulhões, engenheiro da estrada, quando fazia suas visitas de inspeção.
Esta morada é muito pequena, porém encantadora.
Não é verdade que ali se viveria feliz com ela? Sobretudo se, mais venturosa que a Lisetta de Béranger, ela pudesse conservar sempre os seus vinte anos.
Estamos no carro; correr mais depressa é difícil; descemos; à direita o Piabanha quebra-se em cascatas, transpondo por saltos sucessivos as diferentes camadas de rochedo que obstruem seu leito. Neste vale, tão ondulado e tão cheio de rochas desmoronadas, o sábio naturalista Agassiz achou os vestígios de cascalhos de montes de gelo, que confirmam a célebre teoria do resfriamento do globo; pois tanto frio fez naquele lugar, como diz este grande professor, que não se pode negar que hoje a temperatura está longe de assemelhar-se à dos polos.
Eis a ponte de Santanna; atravessamos ainda para a outra margem do Pìabanha. Esta ponte é enviesada, com grandes vigas e grades, com pavimento inferior e contravetement (peças oblíquas) superior; é a mais bonita de todas as que vimos e ainda veremos. Sua arquitetura faz dela um verdadeiro objeto de arte, elegante e leve.
No tempo da sua construção uma das grandes vigas caiu no rio; imaginem o trabalho que foi preciso para retirá-la.
Estamos perto ou antes chegamos à QUINTA MUDA.
LUIZ GOMES (OU CAMPO DA GRAMMA)
Esta estação foi toda construída com madeiras: sistema americano. O interior é muito curioso; como solidez nada deixa a desejar, mas o preço elevado da mão de obra, e ainda mais a dificuldade incalculável de se obter madeiras com facilidade, neste país de florestas virgens, pela falta absoluta de meios de transporte, há de restringir, e por muito tempo, a continuação desse sistema de construção.
Entramos no Vale do Paraíba; a estrada é quase horizontal; estamos ainda perto de uma ponte sobre o Piabanha, que pela última vez vamos atravessar. Alguns quilômetros mais londe este pequeno rio irá levar o tributo de suas águas ao Paraíba. A ponte de que falo chama-se Carlos Gomes e é a última construída pelo engenheiro Bulhões, é de vigas tubulares e grades. Boa combinação do ferro empregado, leveza das vigas e força de sua construção. Mereceu essa obra de arte a honra de ser citada como modelo nas obras tecnológicas da Europa.
Aqui estão longas linhas retas. As margens da estrada são guarnecidas profusamente de grandes e belas árvores. Vê-se ali grande quantidade de flamboyant.
À direita e à esquerda estendem-se várias florestas virgens e a vista abandona-se nessas cortinas de verdura.
Estamos enfim no Paraíba, nome derivado de duas palavras indígenas - Para-yba- o qual toma nascença numa pequena lagoa na Serra da Bocaina, cinco ou seis léguas ao nordeste da cidade de Paraty, província do Rio de Janeiro.
Vamos atravessar esse grande rio, sobre uma ponte de ferro de três arcos, de cinquenta metros de comprimento cada um; esta ponte, obra do engenheiro alemão senhor Keller, ultimamente encarregado de uma missão de exploração no interior do Império e atualmente na Europa, é um muito belo e seguro trabalho. É pena que considerações econômicas tenham feito sacrificar o aspecto monumental que lhe teria dado um maior pavimento e uma maior elevação acima da água. Apesar disto, é uma obra notável, tanto pela concepção quanto pela execução. A alvenaria fez e faz ainda a admiração das pessoas competentes.
Um apito repercutiu no ar. Um penacho de negras fumaças levanta-se acima de enormes edifícios de tijolos encarnados. Isso nos anuncia a Estrada de Ferro D.Pedro II, ponto de cruzamento das duas estradas. São onde horas e meia.
Será porventura necessário dizê-lo?
Neste momento, o que nos deve sobretudo interessar, segundo me parece, é que nos será possível almoçar e depois descansar. Só subiremos agora no carro depois da chegada do trem e ainda teremos de esperar sua hora de partida de costume, fixada a 1 hora e 55 minutos.
Estamos no meio do caminho. O que pensais desta SEXTA MUDA?
ENTRE RIOS
Aproveitamos o momento de descanso que nos é dado, para dizer algumas palavras relativamente às rivalidades ocasionadas pelo cruzamento dessas duas estradas.
Certamente estimas ver o progresso desenvolver-se nesse formoso país. E não foi sem experimentar viva emoção que temos saudado a primeira locomotiva que chegou até aqui; entretanto ficamos também penalizados vendo tanto trabalho, tanta inteligência e tantos esforços empregados em um dos mais gigantescos trabalhos empreendidos até então no Brasil, como esta magnífica Estrada União-Indústria, ficarem por isso mesmo inutilizados daí a pouco.
O homem deve pois abandonar assim, o que lhe custou tantos cuidados e tantos sacrifícios para edificar?
Defronte está a estação da estrada de ferro, maciça, pesada e, à nosso ver, pouco segura.
Estamos certos de que os construtores desse edifício hão de desculpar a nossa franqueza, sobretudo quando souberem que podemos afiançar-lhes ter visto essa construção tão bem construída aparentemente, não poder resistir a uma chuva um pouco mais forte; nem mesmo a uma ventania, sem que no dia seguinte haja necessidade de alguns consertos.
No horizonte longínquo fogem as linhas das estrada de ferro, e o Paraíba anda vagaroso trazendo de nosso lado as suas ondas. Em breve vos faremos conhecer as suas curiosidades se este itinerário tiver a fortuna de vos agradar, caros leitores. As casas brancas que há um quilômetro perdemos de vista, são da fazenda de Cantagalo, propriedade da baronesa de Entre-Rios. Mais longe acha-se a cidade de Paraíba do Sul, inteiramente decaída de sua antiga importância, a estrada de ferro acabando de dar-lhe os últimos golpes.
É 1 hora e 55 minutos. O condutor nos chama, subimos à diligência para continuar nossa viagem.
Desde Petrópolis, que é de 845 metros elevados acima do mar até aqui, onde não estamos mais que a 302 metros somente, descemos agora. Vamos subir a Juiz de Fora, a 721 metros.
Muitas v ezes subiremos e desceremos para atravessas as diferentes ramificações da Mantiqueira e passar de um vale para outro.
Estamos na Serra das Abóboras, que separa o vale do Paraíba dos do Paraibuna e Rio Preto. Ali penetramos por uma miniatura de túnel; depois de o haver transposto em um segundo, sendo este tempo mais que suficiente, apresenta-se à nossa ista um quadro bastante formoso. É a fazenda do finado Visconde do Rio Novo, Conde Palatino; a pequena capela que se destaca no azul do céu, no cume da colina, termina o efeito do quadro.
O Visconde, que residiu na Europa, introduziu na sua fazenda as máquinas e os aparelhos de cultura os mais modernos; seus produtos são expedidos diretamente para o velho mundo com a marca da casa; ainda uma prova evidente dos conselhos judiciosos do senhor Lages aos lavradores do Brasil.
Todos os terrenos que vemos são de uma grande fertilidade. Podemos julgar pelas formosas plantações de café, milho, arroz e mandioca, que nos circundam e fogem atrás de nós.
Já descemos ao vale do Paraibuna. Uma encantadora amostra de floresta virgem nos proporciona uma sombra mais agradável. Em breve um largo rio, o Paraibuna, vai apresentar-se a nossos olhos. Ele serve de limite às duas províncias, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A propriedade que alcançamos à esquerda, pertence ao fazendeiro Antônio Rodrigues Pinto de Andrade, filho do falecido e honrado Barão do Piabanha. Jamais me será possível elogiar bastante esse fidalgo, tão querido enquanto vivo. Não tive a honra de conhecê-lo particularmente, porém tive a de ser apresentado a seus filhos! Pareceram-me justificar o adágio "tal pai, tais filhos".
Tres minutos ainda e chegamos à SÉTIMA MUDA.
SERRARIA
A estação é construída em forma de chalé. Ela tem uma certa importância para a Companhia, por causa dos produtos que ali chegam de Mar de Espanha e até de Leopoldina.
Uma pequena ponte de madeira, sistema americano, conduz o viajante à fronteira mineira. A estrada costeando e atravessando em três pontes diversas o rio Cágado, chega afinal à pequena cidade de Mar de Espanha, situada a 32 quilômetros de Serraria.
A ponte e a estrada foram feitas à custa da Companhia União-Indústria, cujo nome ainda por mais uma vez veremos ligado aos melhoramentos do país.
De Serraria à Paraibuna seguimos constantemente o rio. A estrada é plana e sem habitações. Ela seria , na verdade, monótona, sem a vizinhança da água que parece ali estar à propósito para romper algum tanto aquela solidão. Uma avenida de bambus de quatro quilômetros desperta nossa atenção para apresentar uma espécie de ogivas contínuas. Mais longe um pequeno bosque, onde a estrava vai serpenteando entre árvores e rochedos. Faria julgar estarmos passeando num parque inglês.
A estrondosa e grande cachoeira do Paraibuna contribui para entreter o viajante nessa ilusão.
à nossa esquerda eleva-se um velho casebre: a velha Paraibuna. Era outrora uma espécie de alfândega, onde se recebiam os direitos sobre o ouro e os diamantes que vinham de Minas. Ali, o intrépido Paes Lemes abriu uma passagem, no meio dessas solidões, e traçou a estrada entre os campos de Barbacena e a cidade de Paraíba do Sul.
À nossa frente levanta-se uma colossal pirâmide, a pedra do Paraibuna. Um imenso montão de granito, cuja parede vertical eleva-se de um só lance a mais de 400 metros de altura.
Enormes pedaços foram se destacando dessa massa imponente e rolaram aqui e acolá. Alguns foram até o leito do rio e estorvando-lhe o curso formaram a ruidosa e selvagem Cascata do Inferno. Vamos chegar à décima estação. Antes de descer do carro permitam-me uma digressão.
A meia circunferência que se forma perto dessa pequena igreja, atrás dessas estrebarias, é o princípio da Estrada das Flores, lindo caminho de distrito cuja extensão é de 24 quilômetros. Ele segue o vale do Rio Preto. A Companhia foi auxiliada na execução dos trabalhos pela cooperação ativa dos proprietários limítrofes, que compreenderam perfeitamente as vantagens resultantes para eles de uma saída que semelhante via daria a seus produtos.
Este caminho está concluído há muito tempo, disse o engenheiro encarregado de sua construção, o senhor Audermas. É sobretudo a esse amigo que devo as informações que me ajudaram a fazer este pequeno livro. Creio portanto dever aproveitar a ocasião que se oferece para lhe exprimir toda minha gratidão. Tanto mais que foi na sua casa, na Paraibuna, e seguindo seus conselhos que eu resolvi ser perseverante e prosseguir em outros trabalhos que logo serão publicados .
Mas nós chegamos. Paramos 5 minutos na OITAVA MUDA.
PARAIBUNA
Derivado de três palavras da língua indígena - pará-ý-b'una- grande rio de águas escuras- e devendo sua origem à junção dos rios Barros e Preto, Paraibuna forma um gracioso panorama. Nosso desenho, copiado da fotografia, representará melhor do que eu saberia fazê-lo com uma longa descrição.
Gostamos dessa estação! O posto dos soldados e o garbo dessa boa gente colocada à entrada da ponte. Contaram-nos que aquelas sentinelas eram encarregadas de guardar a fronteira que separa a província do Rio de Janeiro da de Minas Gerais. Fronteiras muitas vezes mais difíceis de transpor que a grande muralha da China.
A grade que cerca a entrada da ponte fecha-se às 6 horas precisas da tarde. Ela somente se abre às 6 horas da manhã. É assim que, durante 12 horas, é proibido aos habitantes de uma província chegar no território vizinho , a menos que seja particularmente conhecido da sentinela. Ou viajante audacioso que, pisando em sapatos gastos, pule a famosa barreira, o que aconteceu a este vosso criado.
Mas deixemos porém esses miseráveis vexames de um contribuinte atrasado. A estrada está aberta diante da diligência. Passamos para o outro lado dessa ponte de 100 metros de comprimento. Um talha-mar dos arcos dessa ponte é inteiramente construído sobre um rochedo.
A esta ponte liga-se uma página da história do Brasil. Em 1842, na época dos sanguinolentos acontecimentos de Minas, os rebeldes a incendiaram. Era ela então de madeira. Este fato foi por muito tempo exprobrado a um dos maiores vultos políticos do país.
Ao sair dessa ponte, entrando na terra mineira, nossos olhares são paralisados por uma placa de mármore branco selada na rocha, que costeia a estrada. Sobre esta placa estão gravadas as belas palavras, proferidas por Sua Majestade D.Pedro II, na época da inauguração da estrada. Jamais tão nobre estímulo mereceu tanto ser transmitido à posteridade.
Damos pois o texto:
"Uma empresa cujo fim é a construção de uma estrada que ligue duas províncias tão importantes e que, continuando talvez para o futuro até às margens do segundo rio do Brasil, reunirá os interesses de seis províncias, de certo merece ser chamada patriótica.
Afianço-lhe, pois, a continuação de minha proteção, e creio que não poderia melhor agradecer os sentimentos de amor e fidelidade que acaba de me manifestar em nome da Companhia."
Até a próxima estação pouco há de interessante. Lançamos um último olhar sobre o Paraibuna que acaba de receber o Rio Preto, não obstante ser mais considerável do que ele. Em breve vamos abandoná-lo para não mais o encontrar senão em Mathias, transformado em um simples regato.
Não corremos mais com a mesma rapidez que há pouco. Ainda que nossa marcha seja acelerada, temos que contar 10 quilômetros. Por mais suave que seja a subida, as mulas sentem o serviço que lhes coube.
Passamos a Rancharia. Esta pequena cidade nascida de ontem é a mais importante conglomeração de casas que temos encontrado desde Petrópolis. Ela possui duas igrejas, um chafariz no meio da praça grande, um juiz de paz e eleitores. O que mais é preciso? dizia La Fontaine.
Nossas mulas responderiam, se lhes fosse possível, que é o descanso que achamos na NONA MUDA.
SIMÃO PEREIRA
Nada de muito importante; nada mesmo de curioso nesta estação. Seguiremos para Mathias.
À nossa esquerda algumas casas cobertas de colmo; é um ensaio de colonização alemã tentado por um jovem fazendeiro, o senhor Dr.Duque, homem inteligente e entusiasta do progresso. Esperamos que esta tentativa de colonização será coroada de feliz êxito, posto que algumas experiências feitas em outros lugares com os mesmos elementos tenham tido funesto resultado.
Atravessamos uma gargante elevada de 593 metros acima do nível do mar e descemos de novo para o vale do Paraibuna que havíamos deixado há 8 quilômetros atrás. Aqui está ele serpenteando por um valesinho costeado de verdes pastagens. Essa paisagem é graciosa como um idílio. Essa descansa a vista da dureza das brenhas e matas que há tanto tempo limitavam o horizonte.
Esta fazenda é propriedade do barão de Bertioga; foi uma das primeiras onde se plantou o café. Constrangido e violentado, por assim dizer, o Barão, que tinha o nome plebeu de Silva Pinto resolveu empreender essa cultura, à qual deve sua colossal fortuna.
O Barão era empregado do senhor Valle da Gama, zeloso propagador da nova planta, cuja importância tão bem adivinhava, obrigou o seu subordinado a plantá-lo no meio dos campos de milho, que constituía toda a produção agrícola daquela época.
Estes arbustos frutíferos, como os chamavam os fazendeiros rotineiros formam hoje, sem dúvida alguma , o mais produtivo ramo da fortuna do Brasil.
Ainda alguns grupos de coqueiros, formando graciosos quadros, que estariam em lugar apropriado no álbum de um artista, e chegamos à DÉCIMA MUDA.
MATHIAS
É uma antiga barreira, onde pagavam-se os direitos sobre o ouro e os diamantes vindos de Minas Gerais. Enormes quantidades desses preciosos minerais passaram neste lugar. A riqueza do país se apresenta hoje sob outras formas: carros enfileirados, carregados de café, de algodão e de outros produtos agrícolas provam suficientemente o que afirmamos.
À nossa direita, um apequena cascata cai em alva espuma do alto de um rochedo. Porém subimos ao carro. O dia vai declinando e nosso condutor parece com pressa de chegar.
Passamos além do grupo de casas que formam o lugarejo de Mathias, atravessamos uma zona onde nada de interessante se apresenta à nossa vista, depois atravessamos o Piabanha sobre uma ponte de madeira d estilo antigo, que difere muito das que temos visto. Esta ponte se chama de Zamba. Foi construída para a antiga estrada de Minas e foi utilizada para a passagem da nova.
Subimos um declive suave e contínuo: é a passagem da Marmela. A estrada gravada de distância em distância num granito porfiróide costeia os flancos da montanha e vê-se um abismo onde o Paraibuna quebra-se em cascatas.
Ela contorna também eminências arredondadas e deixa-nos ver por momentos encantadores panoramas. A subida da Marmela é, depois da passagem do Taquaril, o lugar mais pitoresco e também o mais caprichoso. E é também o que custou maiores despesas para a construção da estrada. Chegamos à PENÚLTIMA MUDA.
PONTE AMERICANA
Enquanto mudam as nossas mulas, examinemos o sistema de construção dessa ponte. Ainda que feita com materiais de pequenas dimensões, é notável por sua solidez e à facilidade que oferece.
No Brasil esse meio merece ser generalizado, em razão da grande abundância de madeira de construção de excelente qualidade e que, apesar disso, são na maior parte das vezes queimadas no desbravamento, por falta de emprego imediato.
Encaminha-mo-nos para Juiz de Fora. Alcançamos o alto da garganta da Graminha, elevado à 745 metros acima do nível do mar. É o ponto mais elevado que temos encontrado desde Petrópolis.
Essa passagem foi escolhida para evitar o grande desvio feito pelo rio que serpeia soba a nossa vista. Depois de uma descida assaz rápida, vamos transpor a última ponte construída em nosso caminho. Esta ponte chama-se João Carlos. É de arcos de madeira. Esta obra é toda do francês senhor Flagelat, engenheiro das minas, neste tempo vindo da França com licença temporária para o serviço da Companhia. Recomendamos esta obra às pessoas competentes.
Em torno de nós surgem algumas habitações, sentinelas avançadas de Juiz de Fora. O vale alarga-se: vamos chegando. À nossa esquerda, o cemitério com sua capela. Os monumentos funerários que a rodeiam são de tijolos.
Defronte de nós levanta-se o rochedo chamado Alto do Imperador. Abaixo a cidade com sua longa linha de casas.
A diligência pára num grupo de gentes e de carros. São os empregados dos dez ou doze hotéis que vêm recrutar os viajantes. Alguns apeiam-se. Nós vamos mais longe. Estamos na rua do Imperador. É costeada por casas novamente edificadas. Este progresso é ainda devido à Companhia.
Este lugarzinho é hoje o empório comercial de Minas Gerais e um pouco do Goiás.
Dois quilômetros mais à oeste e chegamos à ÚLTIMA MUDA.
ESTAÇÃO DE JUIZ DE FORA
Há, na elevação à nossa direita, um lindo castelinho, propriedade do finado senhor Lage, graciosa amostra do estilo renascentista italiano. Este castelo é rodeado de um parque desenhado, plantado e conservado com um gosto que nos dá a ideia do que devia se o proprietário: tanques de água límpida, onde nadam belos cisnes brancos e pretos, ilhas de bambus, viveiros naturais onde cantam e gorjeiam milhares de pássaros, jardins cheios de flores as mais curiosas e as mais raras plantas de interesse particular tornam este domínio um pequeno paraíso terrestre.
Em junho de 1861 a família imperial aí residiu. Nada poderia descrever a magnificência das festas dadas pelo senhor Lage à seus augustos hóspedes.
Como fotógrafo fazia parte dos convidados. Já tinha assistido a muitas festas deste gênero e nunca tinha presenciado uma festa tão deslumbrante.
Depois de 1861 o Imperador, por vezes, honrou este domínio com sua presença.
A todo viajante o senhor Lage deixava visitar com benevolência este pequeno éden se tivesse a felicidade de encontrá-lo. Encarregava-se com a melhor vontade em servir de cicerone.
Defronte do castelo estão os edifícios da estação, escritórios e armazéns. Atrás estão as cavalariças. À esquerda, na eminência, acham-se as oficinas e suas dependências. Na margem da estrada, entre a estação e o hotel, um edifício de balcão estilo de chalé, que serve para alojar os hóspedes ilustres que a Companhia recebe frequentemente.
Na praça defronte do castelo vê-se uma igrejinha. Nada de extraordinário na sua construção e decoração. Na colina à esquerda, as habitações dos empregados da Companhia. Depois o Hotel União. Vamos ver se ali pode-se jantar.
PS: Este estabelecimento é um doa mais bem organizados. Acha-se ali tudo que se pode desejar, da mesma maneira que nos melhores hotéis da Europa. Infelizmente o tempo e os meios faltar-me-ão para dar aqui um desenho desse edifício. Ali há banhos quentes, frios e de chuva, bilhares, piano, salões de leitura e de conversa, jardins, parques e varandas. Situado sobre a primeira vertente da Serra da Mantiqueira, esse lugar goza de um clima salubre e temperado.
Amanhã, depois do passeio obrigatório no jardim dos senhor Lage, não esqueçamos a colônia D.Pedro II, florescente aldeia fundada pela Companhia. Depois iremos ver também a escola agrícola com sua curiosa e interessante coleção de instrumentos aratórios e seus animais raros.
Depois, se o passeio à sombra das grandes árvores tem atrativos para vós, iremos visitar a bela cascata que forma o fundo do quadro da paisagem que rodeia a estação. Veremos o bosque dos príncipes com sua lagoa tranquila e sua cascata murmurante; o bosque da Imperatriz no meio de um a floresta de palmeiras e, como remate, o Alto do Imperador, de onde paira-se sobre um horizonte imenso.
Descobriremos todas as ramificações da Mantiqueira (antigamente esconderijo de salteadores) e sob nossos pés, como infinitamente pequenos, o formigueiro que se agita sem ruido sob o nome de |Juiz de Fora.
DO RIO DE JANEIRO À PETRÓPOLIS POR ENTRE RIOS
ESTRADA DE FERRO DE DOM PEDRO II
A estação é situada no Campo de Santana. Há tílburis no interior da cidade para conduzir os passageiros. O preço é de 500 réis. Os carros de 4 rodas custam 2$000.
Também há bondes que tomam-se no Largo de São Francisco de Paula. Custam 200 réis por pessoa dali até a estação.
Os trens do caminho de ferro partem todos os dias às 6 horas da manhã. No sábado há trens de passeio que partem ao meio-dia.
Os preços das passagens acham-se nas tabelas colocadas na sala de espera.
Em Entre Rios o trem pára um hora para que os viajantes possam descansar e almoçar.
Um hotel perfeitamente organizado corresponde a todas as necessidades das pessoas que querem ir até aí.
Para os que devem ir adiante, isto é, à Juiz de Fora ou à Petrópolis, a diligência sai meia hora depois do meio dia para chegar a um ou outro lugar do destino pelas 6 horas da tarde.
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