sábado, 2 de março de 2013

PROIBIÇÃO DO TUPI : "INCORREÇÕES" DE NOSSA HISTÓRIA

    Bom dia! Li recentemente o famoso livro "GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL", de LEANDRO NARLOCH. O livro é incômodo em sua ironia. Considero o "mergulhar na história", através do estudo, um embate infinito entre o que se conta e o que está realmente registrado em documentos. O que já é, por si, tarefa hercúlea. Mas, se considerarmos honestamente que nem só porque está documentado um dado fato é por si só  verdadeiro... aí podemos considerar a tarefa de recompor a história realmente impossível. Não é preciso um encontro muito "íntimo" com os registros de todo tipo para saber o quanto são falhos e contaminados por uma miríade de fatores. Talvez menos do que nos relatos verbais passados de geração em geração, é lógico. Mas por isso mesmo mais graves, porque escondidos sob o selo da lei e pelos ares de sagrado que adquire a palavra escrita quanto mais o tempo transcorre entre ela e o fato/pessoa que descreve.


                                                                       
     Isto posto, o que já instala o olhar crítico necessário a toda leitura, extraio aqui para vocês, do dito livro, duas questões bem interessantes, a meu ver.
     A primeira delas diz respeito a questão da supremacia da língua portuguesa sobre o tupi. Vejamos. A história "oficial" diz que  "São Paulo fala português a menos de três séculos. Antes, o idioma mais falado no Brasil era a língua geral, uma mistura de dialetos indígenas. Só com a proibição do Tupi pelo Marquês de Pombal, no século 18, é que o português virou a língua predominante".  Mas o autor nos informa de que algumas "evidências históricas" levam hoje em outra direção. Aquela na qual "Apesar da grande influência indígena nos casamentos e nas alianças políticas, o idioma que venceu aquela mistura cultural foi o português. Assim como falar latim era um sinal de distinção social entre os europeus conquistados pelos romanos, os índios e os mestiços se esforçavam para falar português".
      E é nesse ponto que eu queria chegar. A língua é ponto forte de identidade cultural. E a identificação, à longo prazo, entre povo dominado e povo dominador é inegável. Se é bom ou não? Moralmente condenável ou não? Debates filosóficos dos bons... Parece-me óbvio que o português se tornaria predominante a longo prazo, como se fato se tornou. E por vias "naturais". Tomando como "naturais" os inevitáveis da história humana, carregada de opostos. 
     Entretanto houve uma proibição formal de se falar o Tupi. E aí me lembro que também durante as enormes transformações politicas que a FRANÇA atravessou  na transição século 18 para o 19 o occitan, língua falada a séculos e séculos na parte da França em que nossos bisavós viviam, foi proibida de ser falada a não ser no recesso de cada lar. Das escolas, esteve terminantemente banida. Tudo para unificar a FRANÇA também sob a "bandeira" da língua francesa tal qual conhecemos. 
     É certo que persistem na FRANÇA inúmeros e forte movimentos de manutenção do direito de conservar, ao menos culturalmente, essa língua ancestral do país de nossos ancestrais. A língua que falaram os trovadores e os cavaleiros de CARLOS MAGNO no tempo das CRUZADAS. E é aí que encontro a diferença básica entre o "grau de maturidade" de um povo em relação a outro. Só agora, "povo menino" que somos, estamos compreendendo pouco a pouco que nada deve ser "exterminado" de nossa história, com risco de nos tornarmos um "aleijão cultural": nem antigas línguas  nem prédios históricos; nem vestígios pré-históricos; nem documentos, livros e bibliotecas que estejam sendo corroídos pelos cupins; nem livros de cartórios do interior guardados sob as asas gulosas de seus "notários hereditários"; nem a riquíssima tradição cultural indígena; nem a memória dos negros; nem a saga dos imigrantes todos... 
    O tempo, por si só, fará valer sua força, transmutando todos esses elementos. Não precisa de nossa ajuda através de decretos culturais proibitivos. Sejam de que gênero for. 

4 comentários:

  1. Cara amiga estou cá, novamente, me intrometendo em seu blog, para comentar este artigo acima, muito interessante sobre o linguajar dos povos. De fato, a história nos mostra que o nosso português é diferente daquele da Coroa Portuguesa, por influencia, insistência e um pouco de rebeldia de nossos índios. O cinema brasileiro anda resgatando esse dialeto dos tempos do Brasil colônia, podendo ser verificado no filme “Desmundo”, com Osmar Prado e Simone Spoladore. Vale a pena conferir. Os dialetos dos povos da Europa também sofreram as influencias dos povos dominantes. Na França, especificamente na região de Aquitaine, a história conta que foi o Imperador Romano Júlio César que deu o nome a região durante sua Guerra Gaulesa, em 56 a.c.. Chamou os povos que habitavam a região de ibéricos, porém naquela época eles eram vascones descendentes dos basques, povos que deram origem, durante a Idade Média, ao reino de Navarra. Entretanto houve várias ocupações da região de Aquitaine, antes e depois dos romanos, como os povos germânicos e eslavos, nos tempos dos Francos, o que contribuiu para a formação de várias língua e dialetos tais como: gascão; limusine; auvergnat; languedociano; provençal; OCCITANA, de origem românica; euskera ou língua basca. Parabéns Marly, belíssimo artigo! Um forte abraço! Lalá.

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  2. Visita preciosa a sua, Lalá, mais uma vez! Obrigada! Vou já já caçar esse "Desmundo". Abraços e volte sempre porque a casa é nossa!

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  3. Não me parece óbvio que o português dominaria a longo prazo mesmo sem a proibição. Estou lendo o livro "Why do Languages Change?" e lá é contado como poderia não ser esperado que a língua inglesa predominasse nas ilhas britânicas, muito menos em todo mundo. O inglês teve que competir com a língua bretão, depois teve sua área de atuação restrita pela língua nórdica antiga de povos que dominaram grande parte da região, mais tarde tornou-se uma "língua de segunda classe" devido ao domínio dos normandos que impuseram o francês como língua da aristocracia, e também teve o latim que foi utilizado pelos intelectuais (as leis de Newton foram publicadas em latim). Ainda assim, a língua mais falada pelo povo acabou predominando.

    Quando uma língua é declarada oficial, ele é utilizada pelo governo, pelas autoridades, as leis e os diários são publicados nela. É uma vantagem enorme. Muito mais quando as línguas concorrentes são proibidas.

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  4. Caro Leo,
    Agradeço muito e fico realmente feliz por encontrar um leitor disposto não só a refletir sobre o que leu como também a compartilhar conosco essas reflexões. Muito obrigada e volte sempre!

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