quinta-feira, 28 de abril de 2016

PRIMÓRDIOS DA ESTRADA DE FERRO UNIÃO MINEIRA - DOCUMENTO RARO!

     








Bom dia, leitores queridos!


     Hoje venho dividir uma pérola rara com vocês. Tendo como fonte inicial documentos digitalizados pelo MUSEU HISTÓRICO DE JUIZ DE FORA para o acervo da CÂMARA DE MAR DE ESPANHA. Aproveito para encaminhar meu agradecimentos de sempre, grandes e sinceros, a FRANCISCO OLIVEIRA.
     Esse documento em particular interessa sobremaneira a todos os amantes de história, mais especificamente da história da ZONA DA MATA MINEIRA, da ferrovia e do ciclo do café. Resumindo: interessa exatamente a nós que aqui estamos. Então vamos lá. Na íntegra e no original, para vocês, esse documento de raro valor.


                                                 

                                                    


                                                
                                                      




                                                       







                                                            

















                            Então é isso. Espero que tenham tido todos bom proveito. E o mesmo "frisson" que sinto ao ver detalhados, como se fosse hoje, os primeiros passos que abriram caminho para a existência mesmo de nossa BICAS e de nós próprios. Relatadas ali, sem a noção ainda clara do envolvimento que pode ter uma simples decisão de "onde colocar uma estação" para os futuros capítulos de uma história que ainda se faz. Fabuloso! Não acha?

terça-feira, 19 de abril de 2016

PATRIMÔNIO CULTURAL - NOVO PONTO DE VISTA

Bom dia a todos.

      Recentemente, tive o prazer de conhecer o livro de MARIA DO CARMO SOBREIRA, chamado IGREJAS, CAPELAS E COMUNIDADES DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO NEPOMUCENO. 
      Além da enorme alegria de ver ali descrita a capelinha de BOM JESUS DOS MACHADOS, pude conhecer todas as outras dos arredores, levantadas com a mesma fé, trabalho, suor e empenho da população de cada lugarejo daqueles arredores. 
      Mas sobre os livros de MARIA DO CARMO já falamos em outro post. Neste, venho transcrever para vocês um resumo do ponto de vista de MARCUS TADEU DANIEL RIBEIRO sobre a espinhosa questão referente à conservação do nosso patrimônio cultural.
      Embora o tema seja recorrente para quem estuda a História em qualquer um de seus infinitos aspectos, confesso que ele, na minha opinião, "quebrou um paradigma". Me fez ver com muito mais clareza e tolerância o desgostoso cenário com o qual convivemos nesse campo. 
      Pense a respeito, após essa leitura. É um excelente exercício.
      

       "É costume da maior parte da população esperar que o Estado faça a preservação de seu patrimônio cultural. Mas quase não se tem ao certo o que vem a ser, de fato, este patrimônio cultural. Imagina-se que já se sabe o que vem a ser esse patrimônio cultural e é só uma questão de o Estado fazer a sua parte.
       Não é bem assim. O entendimento sobre o que é o patrimônio cultural brasileiro é um esforço permanente, uma redescoberta cotidiana e não é rígido, não está contido em nenhuma lei, manual estatístico ou ementário oficial. O que ontem não era para ser preservado, talvez hoje seja. Assim, enquanto se preservam algumas coisas, outras ficam entregues à própria sorte. Há várias razões para se preservar um bem cultural, como também há muitas outras para se não o preservar. Não é apenas pela incúria do poder público que se deixam de proteger edifícios históricos e artísticos.
       É que a memória não é nem pode ser um ato acrítico de salvaguarda de tudo que caia em seu domínio. A memória é seletiva: preservam-se coisas e se esquecem de outras. A memória só faz sentido se for assim. Na seleção das coisas a serem protegidas pela sociedade em parceria com o poder público, existe o juízo de valor, quer dizer, elegem-se alguns bens culturais para serem preservados e outros não.
       Mas é preciso conhecerem-se esses bens culturais. É necessário olhar-se para o nosso universo de coisas que testemunham o trajeto histórico do povo brasileiro, em seus vários matizes culturais e especificidades históricas. Porque o valor cultural do patrimônio histórico é uma construção e não um dado absoluto, permanente e inerente ao objeto apenas. Sendo valor, é sempre relativizado  ante o universo de referências históricas, morais e filosóficas que a sociedade possui.
       É um erro, por exemplo, imaginar-se que a obra monumental do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, trabalho primoroso em ouro e referência do Barroco internacional, ou que a obra expressiva de Aleijadinho tenham sido sempre reconhecidos pela historiografia artística. Gonzaga Duque, o grande crítico de arte do século XIX, em sua obra célebre "Arte Brasileira", editada no início do século XX, refere-se ao Barroco como uma "brutalidade inventada pela inquisição". Aleijadinho, por sua vez, só seria valorizado e adquiriria essa unanimidade de que goza hoje em dia, a partir de estudos realizados na década de 1940 e seguintes no Brasil e no exterior.
       O valor do objeto cultural, por mais que pareça estranho, não é inerente a ele, mas ao olhar de quem vê esse bem. Rubem Alves já apontou para essa questão em seu texto "A Complicada Arte de Ver", onde, na esteira do pensamento de William Blake, lembra-nos que " a árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Respaldando-se ainda em Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa, lembra-se que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir as janelas para ver os campos e os rios.
       Assim, hoje em dia, já não é mais necessário se explicar muito para se reconhecer o valor cultural de uma igreja barroca. Todos vêem nela este valor que a historiografia celebrizou. Este reconhecimento é quase espontâneo. Mas houve necessidade, no passado, de se questionar a visão oitocentista que, por demais atrelada à herança neoclássica incutida no Brasil desde fins do século XVIII, se difundira nos anos oitocentos quase como um dogma, exaltando apenas o clássico e condenando o Barroco. Quantas obras barrocas não se perderem por causa disso?
        No Rio de Janeiro, só para se mencionar alguns exemplos mias célebres, a construção da Avenida Presidente Vargas poria no chão três igrejas, entre as quais a importantíssima São Pedro dos Clérigos, com sua planta em oito, sua talha rococó, enquanto que a igreja da Candelária, com sua decoração de vocabulário neoclássico, impunha-se sobre os engenheiros da grande via, que contornaram obsequiosamente, enquanto destruíam a igreja rococó. Rodrigo Mello Franco de Andrade pugnou, em discurso no Clube de Engenharia, pela mesma sorte à Igreja dos Clérigos, mas em vão. "Preservar essa igreja rococó? Pra que?" questionaram. A igreja de São Joaquim teve destino idêntico, à época do remodelamento da cidade por Pereira Passos.
       A arquitetura do século XIX, bem assim aquela outra que se desenvolve durante o século XX fora das tendências modernas, vivem hoje o mesmo problema que o Barroco viveu há cem anos atrás. É preciso que se volte a estudar o século XIX e o XX, especialmente a arquitetura que se convencionar chamar de eclética, mas que guarda, na verdade, herança preciosa do romantismo, com sua tendência revivalista neo medieval. Se não conferirmos, com nossos estudos e nosso olhar crítico sobre o passado, sentido histórico e cultural á arquitetura que se desenvolveu na virada do século, nenhuma autoridade pública fará isso, sem crer que o bem é parte integrante da memória coletiva.
       Por isso, não é só pela incúria das autoridades que se perdem bens culturais. Nós também - cidadãos - somos responsáveis por essa perda, porque não nos interessamos pela matéria, não olhamos com aquele olhar de estranheza, de indagação, de estudo que Maria do Carmo usa para perscrutar a história de São João Nepomuceno. A história não é um disciplina que deve interessar apenas aos  historiadores, mas uma forma de construção de identidade de cada um e, assim, da sociedade.
       Há pouco tempo, no âmbito do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), houve acirrada discussão sobre a proteção legal de uma igrejinha neoclássica encravada numa região que já vem sendo maltratada pela especulação imobiliária há alguns anos. A igreja e de Nossa Senhora da Vitória, localizada no chamado corredor da Vitória, em Salvador (BA). Um dos aspectos alegados pela parte contrária ao tombamento do imóvel alegou exatamente a inexistência de valor do objeto, respaldado num parecer de tempos atrás, onde se assinalara que o imóvel não tinha importância artística.
       É imperativo questionar-se o prestígio exclusivo, para fins de tombamento, da arquitetura do início da colonização até fins do século XVIII, quando o Barroco vai chegando a seu termo, ainda em pleno frondosismo rococó. Sob o ponto de vista histórico, é um truísmo lembrar que a formação do povo brasileiro não se resume à etapa que se encerra com o fim da era colonial. O século XIX e o XX, quando se iniciam novas tendências artísticas, são importantíssimos e precisam ser preservados. É necessário que ele seja valorizado e o valor é o resultado de uma reflexão crítica que fazemos sobre nosso passado. Isto é uma incumbência afeta à toda a sociedade. Só assim, ou seja, só após darmos valor aos nossos bens culturais, é que poderemos protegê-los. Não se pode zelar por aquilo de que não gostamos, ou seja, que não conhecemos.
       Proteger esse patrimônio cultural pelo qual Maria do Carmo se interessa, neste ponto, é quase uma utopia, porque ainda parecem longínquos os tempos  em que será considerada necessária a preservação do patrimônio que medrou no solo brasileiro sob a égide do Neoclassicismo, do Romantismo e do Ecletismo. Precisamos fazer correndo a preservação desses imóveis porque, enquanto a sociedade não se conscientizar da importância desse material artístico para toda a memória coletiva, muita coisa se perderá, seja pela destruição, seja pela descaracterização, seja pelo esquecimento.
       O trabalho de Maria do Carmo sobre São João Nepomuceno tem um lado científico de apuração sistemática de dados históricos sobre a localidade e sobre as igrejas de lá. Mas o envolvimento com seu objeto de investigação não termina por aí. Suas preocupações com as edificações religiosas extravasa a mera preocupação histórica e artística, indo atingir o plano elevado da espiritualidade. Para ela, a preservação do patrimônio cultural é uma questão que está intimamente ligada à religiosidade também. E com razão. Uma igreja não é um museu, mas um espaço onde as pessoas ainda oram e exercem sua espiritualidade. E é exatamente isto que confere sentido histórico à prática da preservação do patrimônio cultural, qual seja, ter em mente a dimensão religiosa da manifestação artística. Não há muito, a modesta cidade de São João Nepomuceno receberia, diretamente da Catedral São Vítor, dada pela cúria arquiepiscopal de Praga, na República Tcheca, uma relíquia de São João Nepomuceno, que está por ser remetida à matriz tão logo do encerramento das obras. Essa doação representará muito para a salvaguarda do patrimônio cultural religioso são-joanense, na medida em que acentuará as práticas religiosas que têm ocorrido na cidade, aguçando a importância dos edifícios onde essas práticas transcorrem. 
       A cidade fica perto de Juiz de Fora e encontra-se emoldurada de montanhas e do céu, encantando pela escala humana que ainda possui. Ali, a brutalidade do arranha-céu ainda não se impôs. O que se vê, na linha edílica que recorta o horizonte em ângulos plurais, dentre verdes e azuis, são as torres das igrejas, algumas das quais de singela pureza estilística, com tendência às soluções arquitetônicas típicas do século XIX ou início do XX.
      A preservação do patrimônio cultural brasileiro precisa ser assumida pelas prefeituras espalhadas pelo interior do Brasil. Já vai longe a época em que apenas o poder público federal chamava a si tal incumbência. O trabalho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é sumamente necessário, mas ele não pode ser o único. É preciso que ele divida esforços com os governos estaduais e com prefeituras. Surgido no ajo de 1937, num  momento histórico em que o Estado brasileiro empenhava-se na construção de uma identidade nacional, o IPHAN privilegiou tombar aquilo que, à época, entendia-se como de valor excepcional e representativo para toda a sociedade brasileira. Mas o nosso patrimônio cultural, ou seja, aqueles bens cuja preservação poderia não ser da União, mas o era dos governos estaduais e das prefeituras, era ainda maior que aquele abarcado pelo órgão oficial federal. Assim, foram surgindo, nos estados brasileiros, outros órgãos acauteladores. De forma análoga, o mesmo se passou entre os governos estaduais e as prefeituras. Várias capitais e ainda cidades do interior começaram a criar suas próprias leis  destinadas a preservar seu patrimônio histórico e artístico.
       O desejo é que o trabalho de Maria do Carmo Sobreira venha a despertar o interesse das autoridades públicas são-joanenses e de outras localidades circunvizinhas em relação a políticas públicas mais efetivas voltadas à preservação de seu patrimônio cultural. Afinal, além da importância do patrimônio histórico como fator de afirmação da identidade coletiva, é ele peça fundamental para o turismo cultural, que é quase sempre fonte imprescindível de recursos nas cidades europeias. Proteger o patrimônio cultural e mesmo os centros históricos é um fator de afirmação da cidadania e da luta por uma melhor qualidade de vida. 

Marcus Tadeu Daniel Ribeiro é historiador da arte, mestre em História do Brasil (IFCS/UFRJ)  e doutor em História Social  (IFCS/UFRJ). Pesquisador na área de tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Professor de História da Arte do Colégio de São Bento e do curso de Introdução à História da Arte, do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA/IPHAN).
Leciona História da Arte Sacra no curso de pós-graduação em História da Igreja da Faculdade de São Bento. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte e do Comitê Brasileiro de História da Arte, filiado ao CIHA/UNESCO.