terça-feira, 5 de março de 2013

ELES ROUBARAM A BORRACHA. NÓS PIRATEAMOS O CAFÉ

...Voltando ao tema das "incorreções de nossa história"... Vou compartilhar com vocês a página 232 do livro citado na postagem anterior, o "GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL". Porque nela o autor trata de um tema ligado a nós, descendentes de imigrantes vindos à partir da segunda metade do século XIX. Vamos lá?

           "Ainda hoje há brasileiros que lamentam o roubo das sementes de seringueiras cometido em 1876 pelo botânico inglês HENRY WICKHAM. Os seringais que ele montou na ÁSIA se tornaram mais competitivos que os do BRASIL, o que fez a AMAZÔNIA parar, de repente, de exportar borracha.  Não se pode, na verdade, atribuir a decadência exclusivamente a esse famoso caso de biopirataria. Muitos empreendedores, como o americano HENRY FORD, tentaram criar uma extração intensiva de borracha na AMAZÔNIA plantando seringueiras lado a lado. Sempre acabaram em fracasso. O que não se sabia na época é que as seringueiras só conseguem vencer pragas naturais se forem plantadas a uma boa distância uma da outra. Juntas, acabam devastadas por ácaros e percevejos. A solução seria levar a planta para uma região exótica, onde as pragas não existissem. Foi realmente o que fez o brilhante HENRY WICKHAM.
                     
                       Pintura a óleo do artista HENRIQUE CAVALLEIRO, datado
                      de 1943, retratando o sargento-mor PALHETA, recém-chegado
                      da GUIANA, plantando as primeiras mudas de café em solo 
                      brasileiro.
                     FONTE: plantarecultivaopinioes.blogspot.com.br
                                     

             Não se deve, portanto, incriminar o espertinho botânico inglês. Até porque o BRASIL, naquela mesma época, ganhava muito dinheiro com o café, cujas primeiras mudas nós também piratemos. No século 18, o grão era a grande novidade entre os franceses (são dessa época os tradicionais cafés parisienses). Produto caro e lucrativo, a FRANÇA e a HOLANDA o plantavam em suas colônias na AMÉRICA, proibindo que sementes e mudas de café atravessassem fronteiras coloniais. Em 1713, FRANCISCO DE MELLO PALHETA, o sargento-mor do vice-reino do Grão-Pará, conseguiu vencer esse bloqueio. Ao viajar para a GUIANA FRANCESA para discutir questões de fronteiras, recebeu uma missão secreta: trazer o grão para o BRASIL. Conquistando a confiança da mulher do governador da GUIANA, madame d'ORVILLIERS, conseguiu que ela lhe desse mudas de café como presente. A planta foi logo cultivada no PARÁ e, trinta anos depois, no RIO DE JANEIRO. Por boa parte do século 19,mais de 60% das exportações brasileiras  vinham dos cafezais. Ainda hoje, o BRASIL é o maior exportador de café do mundo.".




sábado, 2 de março de 2013

PROIBIÇÃO DO TUPI : "INCORREÇÕES" DE NOSSA HISTÓRIA

    Bom dia! Li recentemente o famoso livro "GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL", de LEANDRO NARLOCH. O livro é incômodo em sua ironia. Considero o "mergulhar na história", através do estudo, um embate infinito entre o que se conta e o que está realmente registrado em documentos. O que já é, por si, tarefa hercúlea. Mas, se considerarmos honestamente que nem só porque está documentado um dado fato é por si só  verdadeiro... aí podemos considerar a tarefa de recompor a história realmente impossível. Não é preciso um encontro muito "íntimo" com os registros de todo tipo para saber o quanto são falhos e contaminados por uma miríade de fatores. Talvez menos do que nos relatos verbais passados de geração em geração, é lógico. Mas por isso mesmo mais graves, porque escondidos sob o selo da lei e pelos ares de sagrado que adquire a palavra escrita quanto mais o tempo transcorre entre ela e o fato/pessoa que descreve.


                                                                       
     Isto posto, o que já instala o olhar crítico necessário a toda leitura, extraio aqui para vocês, do dito livro, duas questões bem interessantes, a meu ver.
     A primeira delas diz respeito a questão da supremacia da língua portuguesa sobre o tupi. Vejamos. A história "oficial" diz que  "São Paulo fala português a menos de três séculos. Antes, o idioma mais falado no Brasil era a língua geral, uma mistura de dialetos indígenas. Só com a proibição do Tupi pelo Marquês de Pombal, no século 18, é que o português virou a língua predominante".  Mas o autor nos informa de que algumas "evidências históricas" levam hoje em outra direção. Aquela na qual "Apesar da grande influência indígena nos casamentos e nas alianças políticas, o idioma que venceu aquela mistura cultural foi o português. Assim como falar latim era um sinal de distinção social entre os europeus conquistados pelos romanos, os índios e os mestiços se esforçavam para falar português".
      E é nesse ponto que eu queria chegar. A língua é ponto forte de identidade cultural. E a identificação, à longo prazo, entre povo dominado e povo dominador é inegável. Se é bom ou não? Moralmente condenável ou não? Debates filosóficos dos bons... Parece-me óbvio que o português se tornaria predominante a longo prazo, como se fato se tornou. E por vias "naturais". Tomando como "naturais" os inevitáveis da história humana, carregada de opostos. 
     Entretanto houve uma proibição formal de se falar o Tupi. E aí me lembro que também durante as enormes transformações politicas que a FRANÇA atravessou  na transição século 18 para o 19 o occitan, língua falada a séculos e séculos na parte da França em que nossos bisavós viviam, foi proibida de ser falada a não ser no recesso de cada lar. Das escolas, esteve terminantemente banida. Tudo para unificar a FRANÇA também sob a "bandeira" da língua francesa tal qual conhecemos. 
     É certo que persistem na FRANÇA inúmeros e forte movimentos de manutenção do direito de conservar, ao menos culturalmente, essa língua ancestral do país de nossos ancestrais. A língua que falaram os trovadores e os cavaleiros de CARLOS MAGNO no tempo das CRUZADAS. E é aí que encontro a diferença básica entre o "grau de maturidade" de um povo em relação a outro. Só agora, "povo menino" que somos, estamos compreendendo pouco a pouco que nada deve ser "exterminado" de nossa história, com risco de nos tornarmos um "aleijão cultural": nem antigas línguas  nem prédios históricos; nem vestígios pré-históricos; nem documentos, livros e bibliotecas que estejam sendo corroídos pelos cupins; nem livros de cartórios do interior guardados sob as asas gulosas de seus "notários hereditários"; nem a riquíssima tradição cultural indígena; nem a memória dos negros; nem a saga dos imigrantes todos... 
    O tempo, por si só, fará valer sua força, transmutando todos esses elementos. Não precisa de nossa ajuda através de decretos culturais proibitivos. Sejam de que gênero for.